Parentalidade: considerações sobre os nossos tempos

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Um dos grandes problemas na parentalidade dos nossos tempos é que os filhos deixaram de ser vistos como novos seres Humanos que os pais têm o privilégio e a responsabilidade de introduzir ao mundo, para passarem a ser ou um meio ou um fim na vida dos pais.

Isto é resultado de um caminhar da sociedade que, ao longo do tempo, incutiu ideias e valores na mentalidade comum até que se alterasse a maneira de ver os filhos. Até chegar ao ponto em que estamos hoje, vou dar algumas considerações sobre certos aspectos que influenciam directamente a parentalidade de hoje em dia.

Não é novidade que o Homem tem vindo, cada vez mais certo de si mesmo, a excluir Deus da equação. Contudo, o humanismo e a secularização da sociedade não é o tema que quero desenvolver agora. Focando de novo na parentalidade, há algo que se perde gradualmente quando se exclui Deus da nossa vida e da educação dos nossos filhos: perde-se a noção de que os filhos pertencem a Deus, e que os pais são quem Deus colocou na vida daqueles para os disciplinar contra a sua natureza pecaminosa, orientar no caminho de Deus, e ajudar a crescer a nível físico, emocional, mental e espiritual, e que isso é tanto um privilégio quanto uma responsabilidade tremenda, pois Deus vai ter em conta o que os pais fizeram e o quanto os pais contribuíram para que a pessoa fosse, ou não, uma pessoa segundo o coração de Deus.

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Há outro princípio que também se tem vindo a ignorar ou até mesmo recusar, especialmente nos países do Norte da Europa, que é todo o princípio da educação e da disciplina segundo uma visão moral dos pais. Defende-se que a criança não deve ser submetida a qualquer educação religiosa, porque isso será impor-lhe uma opinião sobre Deus, condicioná-la a uma forma de agir e pensar, limitar a sua liberdade de escolha, e moldar a sua personalidade abusando da sua individualidade.

Isto é uma desonestidade moral e intelectual. Reparem na inconsistência: se não devemos educá-la dentro de uma religião, a única hipótese é educá-la sem religião. Contudo, se o problema é impor à criança uma visão religiosa, educá-la sem religião já é educá-la segundo uma certa posição em relação a Deus. Não é a favor de Deus, é contra - mas é tão condicionante quanto a sua alternativa. Se acham que as crianças não devem conhecer Deus, digam-no; mas não digam que elas não devem ser ensinadas segundo uma determinada perspectiva, porque elas serão sempre e inevitavelmente ensinadas segundo uma determinada perspectiva.

Também há outro aspecto a considerar relativamente a esta questão da religião. O estado quer ser laico, e nós queremos essa laicidade, pois respeitar o direito do outro de proclamar fé em Buda é respeitar o meu direito se proclamar fé em Deus. Isto significa que as escolas, na grande maioria, são laicas, e não ensinam nenhuma religião, tanto a nível de conteúdos leccionados, como a nível de comunidade. Nos países livres de hoje, na diversidade de alunos e professores de uma escola, todos são sujeitos a um ambiente sem religião e sem visões políticas, pelo que os pais sabem que, não importa o que ensinarem aos filhos, estes terão, garantidamente, educação laica, e, durante uma grande parte da sua vida, serão expostos a visões irreligiosas. Em termos de conteúdos ensinados nas aulas, as escolas, salvo raras excepções, até falham pelo outro extremo: em Ciências e História, apenas se ensina, e como verdade inquestionável, a Teoria da Evolução e a Teoria do Big-Bang, omitindo que estas são, na verdade, teorias, e que há outras teorias tão ou mais cientificamente válidas, sendo igualmente exploradas nas comunidades científicas pelo mundo, como a Teoria da Criação e a Teoria das Cordas.

É mais honesto considerar que, se os pais têm visões religiosas, só fazem bem em ensiná-las à criança, pois, sabendo que ela, na escola, terá inevitavelmente uma educação ateia e/ou céptica e/ou agnóstica, ao ensinar à criança a sua visão, seja ela poli ou mono teísta ou deísta, os pais estarão não a limitar a criança, mas a expandir os seus horizontes e a providenciar-lhe maior contacto com diferentes visões, mais conhecimento e mais opções por onde opinar e escolher, e isto é mais liberdade. É importante aqui frisar que é possível que os pais ensinem aos seus filhos aquilo que consideram ser uma verdade absoluta, ensinar tudo o que sabem sobre essa verdade absoluta, e ainda assim dar aos filhos a oportunidade de decidir por eles próprios se acreditam ou não nessa verdade absoluta. E isto também passa pela responsabilidade dos filhos: todos nós, a algum ponto na nossa vida, teremos de questionar se as nossas crenças são verdadeiramente nossas, ou se são apenas "herança" ou "tradição" vinda dos nossos pais.

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Contudo, surge aqui o ponto final desta questão da disciplina moral e religiosa. Um dos argumentos de quem defende a ausência de religião na educação da criança é que esta, quando atingir a juventude, terá maturidade suficiente para procurar as opções e escolher por si própria. Isto é um engano. Primeiro, como eu disse acima, resumidamente, a maturidade para fazer uma escolha adquire-se através da formação nas opções possíveis. Sem essa formação, a maturidade para decidir é inexistente. A criança não fará uma verdadeira escolha; isto é, o caminho que ela seguir não será por ausência de opinião e necessidade de escolher, mas por defeito de formação pessoal.

A infância e a adolescência são as alturas da nossa vida em que estamos mais próximos do estado "tábua rasa" (aqui não defendo nem refuto se alguma vez fomos tábuas totalmente rasas). É na infância e na adolescência que estamos abertos às visões do mundo, e, como eu já disse, vamos ser inevitavelmente moldados por alguma coisa. Se não formos moldados por X, seremos moldados por não-X. Como defendi acima, o melhor a fazer para evitar isto é ser moldado pela consciência de ambos X e não-X, introduzindo uma dose equilibrada de ambos na educação da criança. Mas há uma terceira opção de molde que é tão válida como as outras, tão condicionante e tão perigosa, e que, em muitos aspectos éticos e morais, tem sido a posição predominante hoje em dia: as crianças não são moldadas por X nem por não-X, são, antes, moldadas pela própria ausência de X e de não-X, isto é, talvez-X-talvez-não-X, não-sei-nem-quero-saber, a-verdade-é-relativa e cada-um-tem-a-sua-opinião.

Não se deixem enganar pelo relativismo. O relativismo não é a ausência de moldes; é um molde por si próprio, apenas um molde sem bússola nem coordenadas. A criança cresce sem dar valor a X e sem dar valor a não-X; quando ela chegar à juventude, não pensem que ela escolherá logicamente ou X ou não-X. Como é observável na nossa sociedade, depois de uma educação relativista, a fase da juventude será tarde de mais para uma escolha absoluta, porque a criança cresceu a acreditar que nenhuma das opções auto-exclusivas é relevante o suficiente para ser parte da sua formação pessoal; e esse será o valor dela. É tão simples como o seguinte: se a criança cresceu sem aprender a dar valor a X, quando atingir a juventude, a sua visão não será "desconheço o verdadeiro valor de X", e sim "X não tem valor". Ela estará, assim, condicionada a ser relativista: está condicionada a viver sem qualquer tipo de guia nem padrão moral, o que pode parecer libertador e capacitador, mas é um tipo de dogmatismo por si só.

E aqui volto ao princípio de que a corrida em que todos estamos tem apenas uma meta. Podemos seguir os guias certos, e atingir a meta; podemos seguir guias errados, que nos levam à meta errada; e, finalmente, podemos ignorar quaisquer guias, contudo, pela falta de guias não se ganha em opções de caminhos, porque essa é simplesmente outra maneira de participar na corrida, mas perde-se à mesma, visto que a meta é só uma.

"Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele." (Provérbios 22:6)


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E como é que, de tudo isto, passamos à quase objectificação dos filhos? Porque é que considero que vivemos num cenário em que filhos não são, no fundo, encarados como indivíduos verdadeiramente válidos, pelo menos não a um nível conceptual nos sonhos dos pais? Porque digo que os filhos são hoje vistos como um meio ou um fim na vida dos pais?
Nos próximos tempos publicarei outro artigo onde seguirei esse pensamento.

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